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A fome de bola se confunde com a da sua barriga, as coisas
agora fazem sentido, a sua alma parece brincar com a situação. Ele tem um jeito
diferente de lidar com aquele objeto circular, parece dança, mas é drible,
parece ira, mas é carinho, tudo confunde. Os olhos alheios atentos, que nem
acreditam no que vêem, acompanham aqueles pés, cada movimento, cada hesitação,
parece mágica sem truque, um abstrato concreto. Ele quer a sua chance, quer
crescer, e viver a chutar aquela bola, sabe que não será feliz se dela não
tirar o seu sustento, sua única esperança diante de uma realidade tão cruel e
injusta.
Lembra dos seus amigos, alguns que já se foram, e outros que ainda
trilham um caminho destrutivo e previsível. Culpa da ingenuidade explorada
pelos maus pensamentos. Mas ele conseguiu escapar, transformou seu amor pelo
futebol em força, e seu talento em sonho, o campo em palco, o jogo em
espetáculo. Ali está ele, já não é mais uma criança, jogador profissional de um
grande clube, milhares de pessoas que ali estão só para ver a sua arte, para
ver o gingado de uma lenda viva. Passa por três marcadores com dribles que mais
parecem acrobacias, ninguém consegue entender, mas ele sabe exatamente o que
está fazendo, está claro em seu coração. Ele chuta, e com a mesma expectativa e
inocência dos tempos de menino, vê a bola em direção da rede. Quando,
crescentemente, ouve um barulho que mais parece um trovão estourando dentro da
sua alma, é ali, naquele momento que ele entende o que sempre buscou na sua
vida, a sua razão.
Numa fração de segundos, uma lagrima se confunde com seu
suor, a sujeira confunde com sua pele escura e o seu sorriso se destaca em meio
da respiração ofegante. Como se tivesse asas e chegasse ao mais alto pico. É a
mais pura alegria. Sentiu todos os caminhos percorridos. É realização de sonho.
É lembrança da batalha de sua mãe. É a dor de prazer. É paixão. É gol!
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