sexta-feira, 17 de maio de 2013

Homem gol

Acorda cedo. Olha a favela pela janela. Guarda a chuteira na mochila. Sai sem tomar café. No máximo, um beijo em sua mãe – Cuidado meu filho! - Fala ela, sem nem ter tempo de terminar a recomendação. Mas é assim todos os dias, barriga vazia e sorriso no rosto. Espera o ônibus, sente um ronco no estômago, responde o “bom dia” do velho conhecido motorista e consegue chegar ao clube. As coisas simplesmente se transformam naquele campo, um pouco de grama e muito barro completam o templo. 

A fome de bola se confunde com a da sua barriga, as coisas agora fazem sentido, a sua alma parece brincar com a situação. Ele tem um jeito diferente de lidar com aquele objeto circular, parece dança, mas é drible, parece ira, mas é carinho, tudo confunde. Os olhos alheios atentos, que nem acreditam no que vêem, acompanham aqueles pés, cada movimento, cada hesitação, parece mágica sem truque, um abstrato concreto. Ele quer a sua chance, quer crescer, e viver a chutar aquela bola, sabe que não será feliz se dela não tirar o seu sustento, sua única esperança diante de uma realidade tão cruel e injusta. 

Lembra dos seus amigos, alguns que já se foram, e outros que ainda trilham um caminho destrutivo e previsível. Culpa da ingenuidade explorada pelos maus pensamentos. Mas ele conseguiu escapar, transformou seu amor pelo futebol em força, e seu talento em sonho, o campo em palco, o jogo em espetáculo. Ali está ele, já não é mais uma criança, jogador profissional de um grande clube, milhares de pessoas que ali estão só para ver a sua arte, para ver o gingado de uma lenda viva. Passa por três marcadores com dribles que mais parecem acrobacias, ninguém consegue entender, mas ele sabe exatamente o que está fazendo, está claro em seu coração. Ele chuta, e com a mesma expectativa e inocência dos tempos de menino, vê a bola em direção da rede. Quando, crescentemente, ouve um barulho que mais parece um trovão estourando dentro da sua alma, é ali, naquele momento que ele entende o que sempre buscou na sua vida, a sua razão. 

Numa fração de segundos, uma lagrima se confunde com seu suor, a sujeira confunde com sua pele escura e o seu sorriso se destaca em meio da respiração ofegante. Como se tivesse asas e chegasse ao mais alto pico. É a mais pura alegria. Sentiu todos os caminhos percorridos. É realização de sonho. É lembrança da batalha de sua mãe. É a dor de prazer. É paixão. É gol!

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